segunda-feira, 2 de abril de 2012

Quando Jesus subiu aos céus?

Os Evangelhos contam que, depois da morte de Jesus muitas pessoas garantem tê-lo visto outra vez vivo na terra. Isto é, contaram ter tido “aparições” de Jesus ressuscitado. Entre essas testemunhas privilegiadas figuram Maria Madalena (Jo 20,11), os discípulos de Emaús (Lc 24,13), Simão Pedro (Lc 24,35) e muitos mais. Sem nos perguntarmos como foram essas “aparições”, nem de que modo O viram aparecer, queremos averiguar: quanto tempo duraram tais “aparições” de Jesus?
Quarenta dias depois.

Segundo os Actos dos Apóstolos (escrito por São Lucas) foram exactamente 40 dias, depois dos quais Jesus conduziu os apóstolos até ao monte das Oliveiras, lhes deu as últimas instruções. «Dito isto, elevou-se à vista deles, e uma nuvem subtraiu-o a seus olhos. E como estavam com os olhos fixos no céu, para onde Jesus se afastava, surgiram de repente dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: “Homens da Galileia, porque estais assim a olhar para o céu? Esse Jesus que vos foi arrebatado para o Céu virá da mesma maneira, como agora o vistes partir para o céu”» (Act 1,1-11).

Ou seja, depois da Ascensão de Jesus aos céus, aos 40 dias, não voltou a ser visto por ninguém.

Mas este relato apresenta um grave problema: contradiz outros textos do Novo Testamento. Por exemplo, a 1º Carta aos Coríntios, que enumera uma série de aparições de Jesus que se tornam incompatíveis com estes 40 dias.

A longa lista de Paulo.

Nessa Carta, São Paulo escreve: «Transmiti-vos, em primeiro lugar, o que eu próprio recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras; apareceu a Cefas e depois aos Doze. Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos, de uma só vez, a maior parte dos quais ainda vive, enquanto alguns já morreram. Depois apareceu a Tiago e, a seguir, a todos os Apóstolos. Em último lugar, apareceu-me também a mim, como a um aborto» (1 Cor 15,1-8).

Quando ocorreram todas estas “aparições” de Jesus?

A primeira, a Cefas (ou Pedro), não oferece dificuldade, pois segundo Lucas teve lugar no próprio domingo de Páscoa (Lc 24,34).

Mas a segunda, “aos Doze”, é mais difícil de situar. Devido ao facto de Judas o traidor se ter suicidado, só restavam onze daquele primitivo grupo. E os Evangelhos contam que os Onze presenciaram uma “aparição” de Jesus (Mt 28,16; Mc 16,14; Lc 24,33). Mas “os Doze” só se voltaram a formar, segundo o livro dos Actos (1,15-26), depois da Ascensão, quando Pedro decidiu eleger, por sorteio, alguém para substituir Judas. Se, pois, Jesus apareceu aos Doze, deveu ser depois da suposta Ascensão aos 40 dias.

Cada vez mais tarde.

A terceira aparição, «a mais de 500 irmãos, de uma só vez», também é impossível colocá-la dentro dos 40 dias mencionados. Estes “irmãos” não aparecem como “discípulos”, nem “apóstolos”, mas como simples cristãos que estavam a participar nalguma reunião, e que tiveram a dita de presenciar Jesus ressuscitado. E para que pudesse acontecer uma reunião de mais de 500 pessoas num só lugar e ao mesmo tempo, teve de acontecer bastante tempo depois do Pentecostes, quando o cristianismo tinha começado a crescer e a expandir-se em grupos mais alargados.

A quarta “aparição” é a Tiago, um parente de Jesus (Mc 6,3) que chegou a ocupar um lugar destacado na Igreja de Jerusalém (Act 12,17). Paulo diz que Jesus lhe apareceu “depois” de o fazer àqueles 500 irmãos. Portanto, trata-se também de uma aparição tardia, quando a Igreja já tinha crescido.

Em penúltimo lugar figuram “todos os apóstolos”. Este grupo é diferente dos Doze, aos quais Paulo já se referiu. Ora bem, sabemos que o título de “apóstolo” (que significa “enviado”), só foi dado entre os primeiros cristãos aos que foram “enviados” a pregar o Evangelho a lugares distantes. O qual ocorreu bastante depois da morte de Jesus. Por isso, estes “apóstolos” deverão ter visto a Jesus ressuscitado muito depois de 40 dias após a sua Ascensão.

Uma aparição como as outras

Por último São Paulo escreve que o Senhor lhe “apareceu” também a ele. Sabemos que se refere à visão que teve quando viajava a caminho de Damasco, no dia da sua conversão (Act 9,1-19). E esta ocorreu... seis anos depois da suposta Ascensão de Jesus aos céus!

Alguns, para evitar tal incongruência, sustêm que nesse dia São Paulo só viu uma luz que o derrubou e ouviu uma voz que lhe falava. Portanto não se trata de uma verdadeira aparição de Jesus. Mas Paulo, quando fala de “aparições” na sua carta aos Coríntios, utiliza sempre a mesma palavra grega (oráo) para todas, o qual significa que ele considera todas as aparições da mesma categoria. Mesmo quando alguém pretende diminui-lo na sua autoridade de apóstolo, ele incomoda-se e exclama: «Porventura não sou apóstolo? Porventura não vi (oráo) eu a Jesus?» (1 Cor 9,1), pondo-se, assim, ao mesmo nível de todos os que viram Jesus ressuscitado.

Então, durante quanto tempo asa pessoas viram aparecer Jesus ressuscitado? Evidentemente, durante muito tempo. Mas um tempo indefinido, impossível de precisar exatamente.

O surpreendente silêncio.

E se as aparições se prolongaram durante um tempo indeterminado, quando subiu Jesus aos céus? No Novo Testamento temos a resposta: Jesus Cristo subiu aos céus no mesmo dia que ressuscitou, isto é, no domingo de Páscoa. A sua saída do túmulo e a sua Ascensão foram um mesmo acontecimento.

Isto é claro: nos livros do Novo Testamento, excepto no livro dos Actos, nunca se diz que Jesus subiu ao céu numa data diferente da sua ressurreição. Ao contrário: quando afirmam que Ele ressuscitou, também dizem que subiu ao céu.

Por exemplo, São Paulo, em todas as suas Cartas supõe que a ressurreição e a Ascensão foram simultâneas (Rm 8,34; Fl 2,8-9; 1Ts 1,10).

O mesmo acontece com São Pedro, o qual ensina que Jesus Cristo, «tendo subido ao Céu, está sentado à direita de Deus» pela sua ressurreição, não pela sua Ascensão (1 Pe 3,21-22). E a carta aos Hebreus apresenta Jesus passando directamente, da sua ressurreição, ao céu (1,3; 9,12; 10,12; 12,2).

Até o Apocalipse, que tantas vezes descreve Jesus triunfante na glória do céu, nunca diz que houve uma Ascensão.

Tudo no mesmo dia.

Mas onde nos é dito mais claramente que a ressurreição de Jesus e a Ascensão ocorreram no mesmo dia é nos quatro Evangelhos. Marcos, por exemplo, descreve Jesus subindo ao céu no mesmo domingo de Páscoa (16,19).

Também Lucas diz que a ressurreição de Jesus (24,3), a aparição aos discípulos de Emaús (v.13), a São Pedro (v.34), a todos os apóstolos (v.36), a despedida (v.44) e a Ascensão (v.51), ocorreram no mesmo dia de Páscoa. Na aparição aos discípulos de Emaús, diz que o Messias já entrou “na glória” (24,26).



Em Mateus, quando Jesus aparece aos apóstolos, diz-lhes: «Foi-me dado todo o poder no céu e na terra» (28,18), com o qual dá a entender que já teve lugar a Ascensão.

E em João, ao descrever a “aparição” de Jesus a Maria Madalena no domingo de Páscoa, o Mestre diz-lhe: «Vai ter com os meus irmãos e diz-lhes: “Subo para o meu Pai, que é vosso Pai, para o meu Deus, que é vosso Deus”» (20,17). Ou seja, descreve a Ascensão ocorrendo no mesmo dia da ressurreição.

Assim o entendeu também a Igreja até ao século IV. Muitos autores antigos como Tertuliano, Hipólito, Eusébio, Atanásio, Ambrósio e Jerónimo, afirmavam que a ressurreição e a ascensão ocorreram no mesmo dia. E São Jerónimo ensinava: «O domingo é o dia da ressurreição. Por isso se chama o dia do Senhor, porque nesse dia o Senhor subiu vitorioso para o Pai.» E a liturgia, seguindo os Evangelhos, celebrou até ao século V como uma só festa a Páscoa e a Ascensão.

Porque mudou de ideia?

Se, pois, os quatro Evangelhos (incluindo Lucas), contam que a ressurreição e a Ascensão de Jesus tiveram lugar no mesmo dia, porque motivo os Actos dos Apóstolos dizem que a Ascensão foi 40 dias após a ressurreição?

O número 40 é simbólico, não real. Na Bíblia é muitas vezes utilizado para significar a “mudança” de um período a outro, o “fim” de uma geração e o início de outra. E que o número 40 não é aqui um algarismo exacto, mas simbólico, comprovamo-lo porque, mais adiante, o mesmo livro dos Actos diz que Jesus «apareceu durante muitos dias» (13,31), mas não diz que eram 40. E depois volta a falar das aparições de Jesus mas por tempo indeterminado (10,40-42), não durante 40 dias.

E porque utiliza São Lucas este número simbólico nos Actos? Porquê, se no Evangelho disse que a Ascensão tinha sido no mesmo dia da ressurreição, mudou de ideia no seu segundo livro e a descreveu como sucedendo 40 dias depois? Porque quando escreveu os Actos, uns dez anos depois do Evangelho, propôs-se resolver um grave problema que tinha surgido entre os primeiros cristãos.

“Que Ele trabalhe por nós”

Com efeito, a partir das “aparições” de Jesus aos apóstolos, às mulheres e aos demais discípulos, muitos pensaram que o Senhor tinha regressado definitivamente à terra, como havia prometido, e que agora ia ficar para sempre com eles. Que ia retomar a mesma vida que tivera antes de morrer. É que Ele tinha dito várias vezes: «Eu vou, mas voltarei a vós» (Jo 14,28); «Não vos deixarei órfãos; Eu voltarei a vós» (Jo 14,18); «Eu hei-de ver-vos de novo! Então, o vosso coração há-de alegrar-se» (Jo 16,22).

Então, quando se difundiu a notícia de que Ele estava outra vez vivo e actuando no mundo, muitos pensaram que já não havia motivo para se preocuparem. Que já tinham chegado os últimos tempos. Que Jesus tinha vindo para ficar e para estabelecer o seu Reino glorioso na terra.

Esta ideia paralisou a actividade de alguns crentes de tal modo, que muitos já não queriam sair a pregar, nem evangelizar, nem trabalhar, nem fazer nenhum esforço (como lemos em 2 Ts 3,10-12). Estando outra vez na terra, Jesus encarregar-se-ia agora de tudo. Não aparecia Ele a cada passo? Bastava, pois, invocá-lo para que Ele resolvesse todos os nossos problemas.

Ninguém queria fazer nada.

Lucas compreendeu o perigo que constituía a ideia de um Jesus a apareceu por toda a parte. Mas também não podia negá-la. Era preciso, pura e simplesmente, acabar com ela. E foi assim que, iluminado pelo Espírito Santo, decidiu contar que Jesus de facto apareceu aos apóstolos durante um certo tempo, mas que esse tempo tinha acabado. Que Jesus já não actua mais neste mundo, pelo menos directamente. Que agora somos nós que temos de sair a trabalhar na sua vez. Deste modo, Lucas procurou desencorajar a atitude dos que viviam a olhar para o céu, esperando que Jesus aparecesse a fazer as coisas, sem eles precisarem de fazer nada.

Para exprimir mais claramente a sua mensagem, utilizou o número simbólico 40, a fim de significar que com a Ascensão de Jesus terminou um ciclo (o da missão que Jesus devia realizar na terra), e teve início outro (o do trabalho que os apóstolos deviam desenvolver na vez de Jesus).

E para dar mais realismo ao relato, descreveu a Ascensão como um facto histórico, isto é: como se tivesse acontecido num lugar exacto (o monte das Oliveiras), de um modo determinado («elevando-se» no ar, até que uma nuvem o cobriu), e para um destino específico (o céu).

Esta ideia de mostrar Jesus subindo aos céus foi tomada por Lucas da tradição judia. Nela falava-se de vários personagens importantes que no final das suas vidas tinham subido ao céu corporalmente, como Henoc (Gn 5,24), Elias (2Rs 2,1-13), Esdras e Baruc (estes dois últimos, mencionados nos livros apócrifos). Portanto, baseando-se neles, imaginou também Jesus a subir corporalmente aos céus.

Não ficar a olhar para as nuvens.

Jesus Cristo, depois de ressuscitar, não voltou mais à terra. Foi imediatamente para o céu, junto de seu Padre. E se houve “aparições” suas, foram todas produzidas “a partir” do céu.

Mas como estas “aparições” levaram muitos crentes a pensar que Jesus tinha vindo para ficar na terra, Lucas disse que as aparições foram só por 40 dias. Depois criou a cena da Ascensão, em que os apóstolos o vêem subir e afastar-se deste mundo. Assim, deixou bem claro que já estava encerrado o período das aparições, que era preciso ir construir o Reino, e deixar de esperar tudo do alto. Por isso o relato da Ascensão também diz que uns anjos se apresentaram e repreenderam os apóstolos: «Homens da Galileia, que fazeis aqui, a olhar para o céu?»

Lucas quis dizer-nos que, ao “desaparecer” o Senhor, devia “aparecer” a igreja. Ou seja, um grupo de homens e mulheres para fazerem o mesmo que Jesus: trabalhar pela justiça, apoiar os mais débeis, promover os pobres, curar os enfermos, pregar o amor, lutar pela paz. Já era hora de deixar de fazer, das aparições de Jesus a solução de todos os problemas, como se fosse a lâmpada de Aladino da qual se pode tirar o que se quiser.

Por isso, a seguir à Ascensão, Lucas conta no livro dos Actos a intensa tarefa a que se lançaram Pedro, João, Paulo e os demais apóstolos para semear a mensagem de amor que o Mestre viera trazer. Jesus já cá não estava. Agora era o tempo deles.

O relato da Ascensão ensina-nos que é preciso deixar de olhar para as nuvens, esperando a ajuda unicamente de cima. E que devemos pôr-nos a trabalhar seriamente, com esforço e sacrifício, entre dores e alegrias, pelo Reino que Jesus iniciou. Um dia, Ele voltará para ver o que nós fizemos.

Autor: Ariel Valdés

Um comentário:

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